Guilherme Amado

 

Seis meses após o Ministério da Cultura zerar a inadimplência da escola de samba Império Serrano, a ministra Ana de Hollanda recebeu oito camisas para que ela e uma turma de amigos desfilassem na ala da diretoria da agremiação carioca. Segundo o presidente da Império Serrano, o “presente” foi um ato de gratidão pela ajuda que o MinC deu no desbloqueio do CNPJ da escola. Já Ana de Hollanda, que distribuiu as camisas entre amigos e pelo menos um servidor do ministério, minimiza o conflito. “Era uma camisa para desfilar num grupo de homenagem a Dona Ivone Lara”, justificou a assessoria de imprensa da ministra. Ao aceitar o convite, a ministra esqueceu, porém, que os funcionários da pasta, ela própria incluída nesse grupo, já haviam sido proibidos de aceitar convites deste tipo.

 

Não é o primeiro conflito ético envolvendo a cessão de ingressos a servidores do ministério de Ana de Hollanda. Após reportagem do Correio, a Controladoria-Geral da União (CGU) já vetou essa prática, exigindo que o Código de Ética dos Servidores do Ministé- rio da Cultura fosse revisto.

 

A negociação da Império Serrano com a intermediação do gabinete da ministra ocorreu na última semana de agosto de 2011, mas remonta a um problema que se arrastava há quase nove anos. Desde 2002, a Império devia a prestação de contas do uso de R$ 267 mil, captados por meio da Lei Rouanet para a implantação de isolamento térmico e acústico da quadra usada nos ensaios. Uma série de documentos e fotos comprovando o emprego correto do dinheiro era devida. Após assumir o comando da agremiação, o atual presidente da Império, Átila Gomes, começou a fazer contatos com pessoas do governo que facilitassem o contato com o MinC.

 

Após a intermediação de Márcia Buttell, assessora do então subchefe executivo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Luiz Alfredo Salomão, foi marcada uma visita da diretoria da escola ao MinC. “A ajuda que nós demos foi só fazer contato com o Ministério da Cultura. O Salomão, na época, era da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Através do contato dele é que fizemos esse agendamento”, explicou Márcia, que é amiga do diretor da escola e desfila todo ano pela Império Serrano.

 

O grupo de diretores da escola foi recebido pela chefe de gabinete de Ana de Hollanda, Maristela Rangel Pinto, e pelo diretor de Incentivo à Cultura, Kleber Rocha. “Eles fizeram como qualquer proponente, ligaram para cá e marcaram”, afirmou Kleber, negando que a escola tenha recebido qualquer tratamento especial.

 

Não foi o que descreveu a diretoria da escola, que inclusive divulgou uma foto do presidente e do vice-presidente da Império abraçados com Maristela. “Ele só pediram para cumprimentar a ministra”, alegou Kleber, sem explicar se todo proponente tem esse direito, tampouco se a chefe de gabinete se dispõe a posar para foto com a camisa de todas as empresas beneficiadas pelo MinC que fazem esse pedido.

 

Na quinta-feira anterior ao carnaval, um assessor da ministra esteve no barracão da escola para buscar oito camisas. “Não foi sacanagem, foi só gratidão”, justificou o presidente Átila Gomes. No sambódromo, Ana de Hollanda vestiu a camisa durante a noite e sambou em homenagem a Dona Ivone Lara, cantora e compositora carioca.Também a trabalho estava o chefe de cerimonial do Ministério da Cultura, Cleusmar Fernandes. Segundo a assessoria de imprensa do MinC, os outros beneficiados com as camisas-convites não estavam em missão oficial e não receberam diárias para estar na Marquês de Sapucaí. O ministério não esclareceu, porém, se outros funcionários do ministério receberam o presente.

 

Procurada por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Cultura, a chefe de gabinete Maristela Rangel Pinto não se pronunciou. A ministra Ana de Hollanda, pelo mesmo canal, confirmou apenas que recebeu as camisas, sem informar se op- tou por desfilar.

 

Segundo o diretor de Incentivo, Kleber Rocha, a Império Serrano estava inadimplente porque não respondia aos ofícios do MinC exigindo documentos que comprovassem a execução da obra. “A visita deles representou a retomada de contato do proponente com o ministério, o que, pelas nossas regras, já tira a empresa da inadimplência”, afirmou Kleber.

 

Embora tenha deixado a lista negativa já na última semana de agosto, após o encontro no MinC, a Império Serrano só resolveu no fim de 2011 a pendência na sua prestação de contas. O parecer técnico da arquiteta Andrea Zerbeto da Silva aprovou a obra. Só com esse documento, datado de 11 de setembro de 2011, o MinC certificou-se de que o dinheiro havia sido de fato usado para fazer o isolamento térmico e acústico da quadra.